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Foto: Carlos Moura/SCO/STF
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O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), articula com parlamentares e com o setor financeiro um projeto de lei para a volta da homologação das rescisões de contratos de trabalho nos sindicatos. O objetivo é estimular a tentativa de conciliação prévia e diminuir o volume de litígios que chegam ao Judiciário.
As ações trabalhistas tiveram queda logo após a reforma trabalhista, aprovada pelo Congresso em 2017, mas voltaram a subir e bateram recorde. Em 2023, foram 4,19 milhões de novos processos na Justiça do Trabalho, alta de 28,7% em relação ao ano anterior, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Uma das mudanças da reforma trabalhista foi excluir os sindicatos dos processos de homologação das rescisões. Para o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (Solidariedade-SP), isso aumentou a litigância nos tribunais. “Como não tem mais representante do trabalhador junto, ele assina e depois vai para a Justiça contestar”, diz.
Especialistas apontam como um dos fatores para a alta dos processos o afrouxamento das regras da reforma, após decisões do TST (Tribunal Superior do Trabalho) e do STF sobre Justiça gratuita. Em 2021, o Supremo decidiu que o trabalhador que tem direito à gratuidade e perde o processo contra o ex-empregador não pode ter cobrança de custas processuais.
Gilmar Mendes se reuniu com parlamentares há duas semanas para defender a necessidade de uma agenda legislativa positiva para o Congresso, de modo a evitar pautas que escalem a crise entre os dois Poderes, como a anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. O principal projeto sugerido no jantar foi esse, segundo quatro fontes ouvidas pela reportagem.
O texto foi protocolado por Paulinho da Força na Câmara nesta segunda-feira (2), após conversas com o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). Segundo o autor, Motta gostou da iniciativa e pretende incluí-la num pacote de projetos estruturantes para o país. “Vai tramitar com celeridade. Acredito que em agosto temos condições de votar”, diz Paulinho.
O projeto propõe que a convenção coletiva da categoria ou acordo coletivo possa prever que a homologação das rescisões de contratos de trabalho tenha, obrigatoriamente, a assistência dos sindicatos, federações ou confederações. Esse acompanhamento poderá ocorrer presencialmente ou de forma remota, por meio de plataformas digitais.
Se houver divergência sobre as verbas devidas ao trabalhador, a homologação será assinada com essa ressalva, e o empregador terá 60 dias para oferecer proposta de conciliação para quitar as verbas questionadas. Se o prazo acabar sem acordo, o termo de homologação com a ressalva servirá como petição inicial para entrar com reclamação trabalhista na Justiça.
As verbas rescisórias que não forem contestadas no momento de da homologação serão consideradas quitadas de forma “ampla e irrestrita”, o que impede que sejam questionadas judicialmente depois.
O projeto estabelece uma salvaguarda para funcionários com salário anual inferior a 24 salários mínimos (R$ 36.432 por ano, em valores de 2025), que poderão entrar na Justiça mesmo se não fizerem ressalvas no momento da homologação. O objetivo é proteger trabalhadores de menor renda, que, por sua condição econômica, possam estar mais vulneráveis a aceitar acordos desvantajosos ou abrir mão de direitos sem plena ciência das consequências.
Já aqueles com salários superiores a essa faixa somente poderão entrar na Justiça caso tenham feito ressalvas no momento da homologação -o que dará ao patrão a condição de propor um acordo. Isso só será válido se houver a assistência do sindicato da categoria, e o funcionário poderá ir acompanhado do próprio advogado para auxiliá-lo.
Um dos articuladores do projeto, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, atual presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras), diz que a judicialização das questões trabalhistas custa R$ 10 bilhões por ano aos bancos em decisões judiciais e R$ 40 bilhões em provisão de crédito nos balanços para essas ações.
Para ele, o projeto é importante para garantir a validade dos acordos assinados. “O problema é o acordo e mesmo assim depois virar ação trabalhista. Isso gera uma insegurança, que é transferida para os preços dos serviços depois”, afirma Maia.
Já o advogado trabalhista César Augusto de Mello afirma que a participação dos sindicatos deveria ser obrigatória em todas as rescisões, não apenas nas quais houver acordo coletivo da categoria. “Isso organiza e filtra as demandas. A maioria das demandas é simples, resolvida facilmente, mas se não tem participação do sindicato, o trabalhador fica com aquela pulga atrás da orelha sobre ter recebido direito e vai atrás de advogados”, diz.
Ele discorda, no entanto, da quitação irrestrita das verbas caso ocorra essa assistência. “O projeto deveria garantir expressamente o direito de revisão judicial mesmo após quitação ampla, nos casos de vício de consentimento, fraude ou erro”, opina.
O projeto também foi discutido no ano ado com o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, após o CNJ aprovar uma resolução que permite à Justiça do Trabalho homologar acordos extrajudiciais fechados entre empregado e empregador após o fim do contrato de trabalho, sem necessidade de ação judicial.
A resolução difere da iniciativa da Câmara por não tornar obrigatória a participação dos sindicatos na hora da rescisão. Essa assistência, no caso do CNJ, é facultativa ou feita por um advogado contratado, e os acordos só valerão para empregados que recebiam mais de 40 salários mínimos por ano (R$ 60.720, em valores de 2025).
A necessidade de conciliação prévia entre trabalhador e a empresa já foi obrigatória no Brasil por uma lei de 2000, no governo Fernando Henrique Cardoso, mas acabou derrubada pelo STF de forma liminar em 2009 e definitiva em 2018. O Supremo considerou que uma lei não pode ampliar o rol de exceções ao o à Justiça.
Gilmar não votou neste caso porque participou do processo como parte nos anos 2000, como AGU (Advogado-Geral da União), mas relatou aos parlamentares ter considerado um erro a derrubada da necessidade de conciliação, de acordo com deputados que participaram do jantar.
Procurado pela reportagem, o ministro não comentou.
Após a publicação da reportagem, cinco centrais sindicais divulgaram manifesto aos parlamentares em defesa do projeto e afirmaram que a ausência de mediação por parte dos sindicatos fomenta “o conflito onde poderia haver justiça e equilíbrio”.
“A experiência das entidades sindicais demonstra que os erros em rescisões realizadas diretamente pelas empresas são recorrentes. É alto o número de empregadores que descumprem convenções coletivas, acordos firmados e até mesmo a legislação trabalhista”, diz o documento, assinado pelos presidentes da CUT, Força Sindical, UGT, CTB e CSB.
*RAPHAEL DI CUNTO, MARIANNA HOLANDA E CÉZAR FEITOZA/Folhapress
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